Pelo menos já temos do que falar
Depois das tão calorosas eleições presidenciais que preencheram os serões dos portugueses (e das portuguesas e, porque não, dos hermafroditas também), nada melhor do que as condições climáticas que se fizeram sentir nos últimos dias, especialmente no passado fim de semana, para mudar de assunto.
Era preciso arrefecer os ânimos e o clima deu o mote para a alteração do tema de conversa, não fosse alguém, menos prevenido, esperar por qualquer desenvolvimento do resultado eleitoral, fosse por reacção do vencedor, fosse por reacção dos vencidos.
A sul nada de novo e a norte asseguro que também não. É verdade...tudo o que foi dito passou e nunca o passado conheceu tão grande esquecimento, como conhece actualmente na política portuguesa.
Podemos agora prosseguir, tal como haviamos chegado; um pouco mais frescos, é certo.
Quando
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
Álvaro de Campos
Crítica aos Altos Funcionários do Estado
Filhos de famílias ricas ou ilustres, cretinos insolváveis muitos deles, lá vão secretários de embaixada e cônsules de primeira classe, para essas capitais de prazer, onde o país lhes esportula os vícios frustes, a ociosidade desdenhosa, e a elegante invalidez; e é conhecê-los para advir na opinião de que poucos valem o dinheiro que custam, ou são dignos da investidura oficial que representam. O Sr. Bocage, se quisesse oferecer a Lisboa um espectáculo típico, devia mandar vir todo o pessoal diplomático que temos disperso pelas capitais do mundo, anexar-lhes os cônsules com as suas fardas, e fazer uma revista de tudo, na Avenida. (…)”
Fialho de Almeida
Porque daqui a 10 anos serei eu.
Começarei por fazer campanha no Brasil, na semana do Carnaval, trarei dessa calorosa terra as mandatárias que levaram a mensagem eleitoral, do meu movimento independente, a todos os cidadãos numa luta corpo a corpo com as restantes candidaturas.
Imbuídas do verdadeiro espírito democrático serão o exemplo da promessa comprida, mesmo antes de consumado o acto eleitoral, em todas as cidades e vilas, por todas as ruas e coretos de Portugal. O cidadão luso vai finalmente sentir o prazer do acto político.
Dispenso pré campanha, outdoors, e comícios. As únicas acções de campanha que irei realizar serão as arruadas, onde me farei acompanhar por claques femininas, uma espécie de santanetes mas com menos 20 anos, seleccionadas em tunas universitárias e barracas da queima das fitas (depois das 3 e antes do nascer do dia).
Os papéis coloridos e as bandeiras serão substituídos por pílulas do dia seguinte e preservativos. Os panfletos darão lugar a vídeos onde as mandatarias revelam as suas capacidades de mobilização nas concorridas acções de campanha.
Será a verdadeira democracia de e para todos.
Maioria silenciosa
Não acredito, no actual contexto político, numa mudança que advenha do acto de votar. Quem não vota abdica de decidir sobre o futuro do seu país? Falácia.
O problema é que não podemos ter a ambição de reformar através do voto, porque no nosso contexto politico, este não traduz reais opções de mudança.
O que temos é uma bem engendrada ilusão popular onde a elite politica dos últimos trinta anos representa: a vitória do bem sobre o mal, a democracia contra a ditadura, a restituição da liberdade arrancada às garras do fascismo, e muito mais…O que se cria, e subsiste, é uma classe política que se homogeneíza nas questões fundamentais de forma a garantir a sua permanência nos corredores do poder. Podemos designa-los por “lobi de Estado”.
O regime não está esgotado, quem o compõe, lhe dá forma, é que se encontra coarctado de ideias e soluções, atolados num lamaçal burocrático e de compadrio, da esquerda à direita, uns mais do que outros, mas sem excepções.
A campanha eleitoral para a eleição de Presidente da República serve de fundamento ao que acabei de referir. O que aconteceu aos homens livres que fora das máquinas partidárias tentaram concorrer ao presente acto eleitoral? Os partidos não deveriam ser secundários? E foram?
Ps: Para mim a diferença entre voto em branco e abstenção define o limite entre acreditar ou não no sistema. Nas presidências abstive-me, não só, pelas personagens, mas também, pelos poderes atribuídos à função. Mas sobre isso falaremos um dia.
Extinção aos derrotados e reclusão para os vencedores.
Eu já ganhei nas próximas eleições. Sim… ganhei aversão à campanha nos mercados, aos encapuçados, e degenerados. Não, não me esqueço dos jornalistas e comentaristas.
Estou descontrolado, com um fusível certamente queimado, já me olham de lado, pois resmungo em todo o lado, basta que para isso apareça um candidato, com mais um dos seus ditados de certa exclusividade meus senhores.
Depois do computador levem-me o tele-receptor... seria um enorme favor.
ULTIMATUM FUTURISTA: às gerações portuguesas do séc. XXI
José de Almada Negreiros
fight song - um possível reflexo de uma sociedade
Nothing suffocates you more than passing on everyday human events
And isolation is the oxygen mask you make your children breath to survive
I´m not a slave to a god that doesn´t exist
I´m not a slave of a world that doesn´t give a shit
And when we were good
You just close your eyes
So when we are bad
We´ll scar your minds
Fight!fight!fight!fight!
You´ll never grow up to be a big-rock-star-celebrated-victim-of-your-fame
They´ll just cut our wings like cheap coupons
And say that death was on sale today
And when we were good
You just close your eyes
And when we are bad
We´ll scar your minds
But i´m not a slave to a God that doesn´t exist
I´m not a slave to a world that doesnt give a shit
The death of one is a tragedy
the death of a million is just statistic
Fight!Fight!Fight!Fight!
Marilyn Manson
Embora já não ouça este jovem com tanta assiduidade como já fiz, há uns dias atrás vi o videoclip desta música num documentário de outro senhor, Michael Moore.
Acho que esta música reflecte um pouco a sociedade egoísta e hipócrita em que nós vivemmos...
No Circo
Muito longe daqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse Mundo em que eu vivia...
Mas tão longe... que até dizer podia
Que enquanto lá andei, andei sonhando...
Porque era tudo ali aéreo e brando,
E lúcida a existência amanhecia...
E eu... leve como a luz... até que um dia
Um vento me tomou e vim rolando...
Caí e achei-me, de repente, envolto
Em luta bestial, na arena fera,
Onde um bruto furor bramia solto.
Senti um monstro em mim nascer nessa hora,
E achei-me de improviso feito fera...
- É assim que rujo entre leões agora!
Antero de Quental
Reedições
Por entre vegetação rasteira e castanheiros reveladores de um Outono assumido na caducidade das folhas, uma estrada de montanha avança pelo sopé da serra fazendo-nos crer que o tempo passa um pouco mais devagar. Viajamos através do Marão.
Ao fundo uma rechã acolhe um pequeno povoado de xisto rodeado por um olival que lhe é contemporâneo. Esta aldeia continua a perder a sua alma, na ausência dos que emigram, e com o esventramento provocado por aqueles que regressam, incapazes de a fazerem evoluir à luz do seu contexto espacial.
O nevoeiro dissipa-se por alguns momentos, sendo agora visível a neve que uniformiza a paisagem nos pontos mais altos da serra. Tudo parece mais calmo. Existe espaço para a tranquilidade.
Mais alguns quilómetros, mais uma mudança de estrada, e a paisagem anuncia o silêncio, este apodera-se do tempo, que corre ainda mais devagar, com uma intensidade que convida a permanecer.
A viagem continua num trajecto irreversível em direcção ao litoral, os traços são agora de uma outra ruralidade. O povoamento é mais disperso, culturas semelhantes revelam diferentes práticas agrícolas, as ruínas da indústria de outrora afloram a cada momento, são terras de identidades confusas. Não me agrada o que vejo, nunca gostei desta fronteira.
As indicações insistem num só destino, já se deslumbra o Porto, e com o aproximar desta urbanidade decido abandonar a escrita.
28 de Novembro, 2005
Reflexões sobre arte
O próprio gesto é artístico segundo é ou não interpretação de uma emoção. Porque no gesto há um fim do gesto e a expressão desse fim. Uma cousa reporta-se à vontade, a outra à emoção. Elegância ou deselegância de um gesto significam conformidade ou não conformidade com a emoção que exprime. Assim uma estátua da dor é a fixação dos gestos que mostram a dor – e será tanto mais bela quanto mais justa exactamente representar por esses gestos a emoção da dor, quanto mais adaptados em tudo forem esses gestos ao mostrar essa emoção.
1. A arte é a notação nítida de uma impressão errada (falsa). (À notação nítida de uma impressão exacta chama-se ciência.)
2. O processo artístico é relatar essa impressão falsa, de modo que pareça absolutamente natural e verdadeira. (…)
As emoções e os desejos são manchas de humanidade que têm de ser tiradas da alma quando ela procura a atitude científica.
A sensação estética pode tornar-se uma ciência; e a originalidade cultivada como uma disciplina.
A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem a vencer.
Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as cousas, podem levar o espírito a esta culminância.
- Só a Arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura.
O valor de uma obra de arte é tanto maior quanto é puramente artístico o meio de manifestar a ideia.
Todo o material da arte repousa sobre uma abstracção: a escultura, p. ex., desdenha o movimento e a cor; a pintura desdenha a 3.ª dimensão e o movimento portanto; a música desdenha tudo quanto não seja o som; a poesia baseia-se na palavra, que é a abstracção suprema, e por essência, porque não conserva nada do mundo exterior, porque o som – acessório da palavra – não tem valor senão associado – por impercebida que seja essa associação.
A arte, portanto, tendo sempre por base uma abstracção da realidade, tenta reaver a realidade idealizando. Na proporção da abstracção do seu material está a proporção em que é preciso idealizar. E a arte em que mais é preciso idealizar é a maior das artes.
Se a obra de arte proviesse da intenção de fazê-la, podia ser produto da vontade. Como não provém, só pode ser, essencialmente, produto do instinto; pois que instinto e vontade são as únicas duas qualidades que operam.
A obra de arte é, portanto, uma produção do instinto. O drama, sendo primariamente uma obra de arte, é-o também.
O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo pensamento que a emoção provoca, que o homem mais realmente vive na terra, a sua verdadeira experiência, regista-a ele nos fastos das suas emoções e não na crónica do seu pensamento científico, ou nas histórias dos seus regentes e dos seus donos [?].
Com a ciência buscamos compreender o mundo que habitamos, mas para nos utilizarmos dele; porque o prazer ou ânsia só da compreensão, tendo de ser gerais, levam à metafísica, que é já uma arte.
Deixamos a nossa arte escrita para guia da experiência dos vindouros, e encaminhamento plausível das suas emoções. É a arte, e não a história, que é a mestra da vida.
Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse.
Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida, passa, mas a beleza com vida, que, como é beleza, não pode perecer.
A cada conceito da vida cabe não só uma metafísica, mas também uma moral. O que o metafísico não faz porque é falso, e o moralista não faz porque é mau, o esteta não faz porque é feio.
Fernando Pessoa
5biliões...
Contava-nos a vida toda num simples gesto que fizesse. Ou a palavra que dissesse. Ou riso que tivesse. Ou o mais. Há tipos assim, trazem a alma inteira no mínimo de si. Que tipos?Não sei. Mas creio que actualmente são cinco biliões...
Vergílio Ferreira
Proclaim Your Joy
Some build coffins, some drink coffee, some sing and dance
Some come from caterpillars, and some propellers, some throw a lance
Some hide their faces, have deep feelings, make big decisions
Some take pain killers, turn into vampira, watch television
It is important throughout your life to proclaim your joy
Some keep bunnies, some pump tummies, some court disaster
Some wanna be your slave, some wanna be your master
Some are big wheels, some are big whiners, some are talented
Some guard the borders, some scan the skies, some bake the bread
It is important throughout your life to proclaim your joy
Some make banners, some throw spanners, some are frozen
Some are entertainers, some lift operators and some are chosen
Some wield mallets, some weld rivets, some are sloppy
Some give you heaven, some eternal damnation, some make you happy
It is important throughout your life to proclaim your joy
Some hold the discus, some hide in discos, some are too hot to be cool
Some were born in a blast, some live in a cast, some never leave high school
Some are uncaring, live their lives staring down through telescopes
Some train monkeys, some blame flunkies, some only eat soap
It is important throughout your life to proclaim your joy
Some slam bibles, some save labels, some hate and murder
Some live in a coal mine, some packed in brine, some in a blender
Some are good at selling, some are good at spelling the word 'never'
Some are ruled by money, some are wrapped like a mummy, some live forever
It is important throughout your life to proclaim your joy
Mark Eitzel
7/9-a uns quantos (des)conhecidos
Gostas das formas, das cores, dos padrões, do exótico, do aparente sentido do conhecimento. Mas estou convencido que esse mundo não potencia o teu código genético. De facto ele não existe realmente dentro de ti. Na melhor das hipóteses é uma “realidade paralela”, que apenas te reconforta ao ser preguiçosamente olhada e facilmente digerida.
Devias saber que a ficção tem muitas formas de se apresentar, por vezes, disfarça-se de real, (re)cria-se como tal, conflito intenso e recorrente. Na verdade a ficção é tão construída pelos homens quanto a própria realidade, com fronteiras demasiado indistintas, e por isso cada um tem as suas.
Respeito este princípio. Não gosto do que adquires como teu.
Homem ressuscitado afirma que portugueses são os mais pobres no Céu
O Inimigo Público, 6 de Janeiro, 2006
Um subtil desconforto, deriva dos silêncios que povoam as ruas e as casas da pequena aldeia.
A introspecção é maior. Sem pessoas, são os objectos que relembram as formas e as estórias passadas.
Sentado nas escadas de xisto, desgastadas pelo tempo, espero que a pesada porta no topo da escadaria desfeche.
Um olhar atento sobre a fechadura de ferro revela sinais de abandono, a ferrugem que a percorre não liberta espaço para dúvidas. Ou a chave está perdida, ou foi arrecadada no fundo de um daqueles baús a descobrir por uma próxima geração, inapta a compreender os hábitos que esta encerra.
Ele era um Homem só... No meio da multidão sentia-se só, único...
Disseram-lhe que era um Génio!Ele acreditou...
Talvez fosse... A sua genialidade aumentava...
Também o seu Ego... Para onde foi a Genialidade? Afogou-se, perdeu-se na imensidão do seu ego...
Quem ele é agora?Tu sabes?Nem ele próprio saberá...
18:51
O real e o irreal em literatura
Ele não é um simples conductor automático da essência dos factos que o rodeiam. É, sim, uma materia sensível com um processo especial de gravação. O que vê, o que ouve, o que vive, canaliza-o para a obra de arte com uma consciente intenção, melhor, arrumando esses factos com uma determinada ordem. Há um critério da parte do artista, um critério de interpretação e de resolução. Esse critério não é alheio a forças exteriores, como sejam o ordenamento económico da sociedade e a situação de que o próprio escritor goza nessa mesma sociedade. (…)
Diremos ainda que o real em literatura, hoje, tem todas as formas que se possam imaginar. É belo e é feio, é rude e é suave, é magnífico, e é mesquinho. Mas é também demolidor e constructor a um tempo, porque vem da vida e parte para a vida. Nasce do homem, das suas miserias e das suas alegrias, e tende para o homem, para tornar mais sãs as suas alegrias e menores as suas tristezas. Nesse processo de reprodução, uma só coisa se exige do escritor: que seja verdadeiro, que nos diga da vida o que a vida unicamente contém. Quanto às soluções, elas estão na mecanica das coisas, resultam dos próprios vícios e das próprias forças da Humanidade. Não é necessário gritá-las, que elas estão em vós, e em nós, e em todos, e em tudo. Elas são também a própria vida.
Há uma frase de D. Francisco Giner de los Rios que gostariamos de citar em espanhol: «La vida no es alegre ni trite, sino sencillamente seria». Pois o realismo moderno tem toda a seriedade da vida. Ele é nada menos que o próprio homem em luta com a natureza, em luta consigo próprio. Mas é ainda mais qualquer coisa. É o espelho do presente, sim, mas também a imagem do futuro, a pedra primeira para a construção do futuro. E aí está toda a grandeza da moderna literatura. Estão o ponto de partida e a meta final da luta entre o real e o irreal. Estão, além disso, todas as inquietações e todas as esperanças de uma humanidade que procura curar-se de uma intoxicação de idealismo.
O real e o irreal em literatura são a nossa época.
Mas na literatura de amanhã só o real terá lugar. Porque ele hoje é já o próprio amanhã.”