Reflexões sobre arte

A arte é apenas e simplesmente a expressão de uma emoção. Um grito, uma simples carta pertencem um à arte de cantar, à literatura a outra, inevitavelmente.
O próprio gesto é artístico segundo é ou não interpretação de uma emoção. Porque no gesto há um fim do gesto e a expressão desse fim. Uma cousa reporta-se à vontade, a outra à emoção. Elegância ou deselegância de um gesto significam conformidade ou não conformidade com a emoção que exprime. Assim uma estátua da dor é a fixação dos gestos que mostram a dor – e será tanto mais bela quanto mais justa exactamente representar por esses gestos a emoção da dor, quanto mais adaptados em tudo forem esses gestos ao mostrar essa emoção.
1. A arte é a notação nítida de uma impressão errada (falsa). (À notação nítida de uma impressão exacta chama-se ciência.)
2. O processo artístico é relatar essa impressão falsa, de modo que pareça absolutamente natural e verdadeira. (…)

As emoções e os desejos são manchas de humanidade que têm de ser tiradas da alma quando ela procura a atitude científica.

A sensação estética pode tornar-se uma ciência; e a originalidade cultivada como uma disciplina.

A sinceridade é o grande obstáculo que o artista tem a vencer.
Só uma longa disciplina, uma aprendizagem de não sentir senão literariamente as cousas, podem levar o espírito a esta culminância.

- Só a Arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura.

O valor de uma obra de arte é tanto maior quanto é puramente artístico o meio de manifestar a ideia.

Todo o material da arte repousa sobre uma abstracção: a escultura, p. ex., desdenha o movimento e a cor; a pintura desdenha a 3.ª dimensão e o movimento portanto; a música desdenha tudo quanto não seja o som; a poesia baseia-se na palavra, que é a abstracção suprema, e por essência, porque não conserva nada do mundo exterior, porque o som – acessório da palavra – não tem valor senão associado – por impercebida que seja essa associação.
A arte, portanto, tendo sempre por base uma abstracção da realidade, tenta reaver a realidade idealizando. Na proporção da abstracção do seu material está a proporção em que é preciso idealizar. E a arte em que mais é preciso idealizar é a maior das artes.

Se a obra de arte proviesse da intenção de fazê-la, podia ser produto da vontade. Como não provém, só pode ser, essencialmente, produto do instinto; pois que instinto e vontade são as únicas duas qualidades que operam.
A obra de arte é, portanto, uma produção do instinto. O drama, sendo primariamente uma obra de arte, é-o também.

O valor essencial da arte está em ela ser o indício da passagem do homem no mundo, o resumo da sua experiência emotiva dele; e, como é pela emoção, e pelo pensamento que a emoção provoca, que o homem mais realmente vive na terra, a sua verdadeira experiência, regista-a ele nos fastos das suas emoções e não na crónica do seu pensamento científico, ou nas histórias dos seus regentes e dos seus donos [?].
Com a ciência buscamos compreender o mundo que habitamos, mas para nos utilizarmos dele; porque o prazer ou ânsia só da compreensão, tendo de ser gerais, levam à metafísica, que é já uma arte.
Deixamos a nossa arte escrita para guia da experiência dos vindouros, e encaminhamento plausível das suas emoções. É a arte, e não a história, que é a mestra da vida.

Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse.

Porque a arte dá-nos, não a vida com beleza, que, porque é a vida, passa, mas a beleza com vida, que, como é beleza, não pode perecer.
A cada conceito da vida cabe não só uma metafísica, mas também uma moral. O que o metafísico não faz porque é falso, e o moralista não faz porque é mau, o esteta não faz porque é feio.


Fernando Pessoa

Sem comentários: