A Terra dos Quadrados

Na terra dos quadrados viviam quadrados e quadradinhos de todos os tamanhos. As casas, as praças, os carros eram quadrados. Tudo era quadrado. Quatro quadrados mais pequenos juntavam-se para formar um quadrado maior. Cada quadrado podia ser dividido em quatro quadradinhos.
Um dia o Quadrado-Mor estava sentado à secretária quadrada, numa sala absolutamente quadrada. O telefone tocou e ele estendeu o vértice mais próximo e atendeu. Ouviu uma voz aflita que não reconheceu:
- Está? É do gabinete do Quadrado-Mor?
- Sim, é o próprio.
- Desculpe ligar-lhe. Sou o chefe da esquadra do 4º quadradão. Fomos chamados porque apareceram aqui no quadradão dois tipos muito estranhos. Nunca vi nada assim e achei que lhe deveria comunicar imediatamente.
- Estranhos como? – perguntou o Quadrado-Mor que não estava a entender nada.
- Com uma forma nunca vista. Não dizem coisa com coisa. Dizem ser triângulos rectângulos isósceles, o que quer que isso seja.
- Está bem! Está bem! Traga-mos cá – desligou.
O dia estava a começar mal. Sentiu uma dor de cabeça alastrar na superfície quadrada. Tomou um comprimido quadrado e esperou.
Passados cerca de quatro vezes quatro minutos, marcados pelo relógio quadrado dependurado na parede quadrada à sua frente, ouviu uma sirene de um carro da policia. As ondas quadradas propagavam-se nas quatro direcções, eram reflectidas pelas quatro paredes da praça quadrada onde se situava a Quadratura-Mor e entravam em ressonância no centro da praça, onde o ruído era insuportável. Estava por isso completamente deserto. A sirene calou-se. Passados quatro minutos bateram à porta quadrada: quatro pancadas.
- Entre! – ordenou o Quadrado-Mor.
Entraram. O chefe da esquadra acompanhado de um subalquadro fez-lhe a continência regulamentar, deslocando a mão quadrada sobre dois dos lados contíguos de um quadrado, unindo o ponto equidistante dos seus vértices à cabeça.
- Posso mandá-los entrar? – perguntou.
- Claro! Não foi para isso que veio?
[…]
- Aqui estão eles – olhou-os com espanto e, pela primeira vez desde há muito tempo, não sabia o que fazer.
Que raio de coisa era aquela?
Esperou que o chefe de esquadra dissesse mais alguma coisa.
- Interroguei-os mas não compreendi nada do que me disseram, É como se falassem uma outra língua. Talvez gostasse também de os interrogar.
O Quadrado-Mor, colocou-se à frente dos dois indivíduos, olhou-os e perguntou com alguma brusquidão.
- Quem sois vós?
- Somos dois Triângulos Rectângulos Isósceles. Vimos da terra dos Triângulos Rectângulos Isósceles.
- Terra dos Triângulos Rectângulos Isósceles! Onde fica?
- Não sabemos. Estávamos na grande praça triangular rectangular isósceles, os dois a passear, e de repente abriu-se à nossa frente um grande buraco negro triangular que nos aspirou. Perdemos a consciência e acordamos rodeados de seres estranhos, desculpe, quadrados que nos olhavam espantados e que quando acordamos nos começaram a insultar e a maltratar […].

Manuel Manchinha, A Terra dos Quadrados, Edições Salamandra, 1998.

1 comentário:

Luís Leite disse...

Acho que vou ler essa história, despertou-me interesse. Obriagado!